Erik tinha 20 e poucos anos quando decidiu escalar o monte McKinley, o pico mais alto dos Estados Unidos. Levou meses treinando em colinas mais baixas até enfrentar com seus companheiros alpinistas as rajadas de neve, as gretas profundas em que poderia escorregar, a descida traiçoeira. Ao chegar ao pico, teve uma certeza. Aquela não seria a última montanha que ele desafiaria. E assim foi. Nos anos seguintes, arriscouse a escalar os picos mais altos dos sete continentes, como o Aconcágua, na América do Sul, o Kilimanjaro, na África, o Everest, na Ásia, e o monte Elbro, na Europa. Uma única particularidade o distinguia dos outros valorosos membros da equipe. Erik é cego. Quando fez essas escaladas, ele tinha um ideal: provar que qualquer um pode superar a si mesmo diante de uma dificuldade, mesmo os mais fracos e desprovidos de grandes recursos. Em suas últimas aventuras, Erik Weihenmayer levou com ele outros cegos, e até um surdo, para humildemente demonstrar que essa qualidade não era exclusiva dele. Muitas das lições que Erik e outras pessoas aprenderam, ao enfrentar adversidades, estão aqui. Vale a pena conhecê-las. Enfrentar é preciso É engraçado: as histórias de grandes conquistas, superações extraordinárias e feitos heróicos às vezes nos oprimem, em vez de nos estimular. Isso porque, lá no fundo, desconfiamos que somos incapazes de realizar coisas difíceis. Um bom herói sempre precisa de confiança, coragem e auto-estima, qualidades raras de serem encontradas no mercado hoje em dia. Então, por achar que somos muito mais limitados do que realmente somos, e também por certo comodismo, abdicamos de usar recursos ainda não experimentados para enfrentar cara a cara as difi culdades, os riscos e os obstáculos. Parece ser bem mais fácil jogar a toalha e dar as coisas por perdidas, ou se esquivar delas, como se não existissem. Acontece que as adversidades parecem ter o estranho hábito de sempre nos esperar ali na esquina, especialmente quando fazemos questão de fugir delas. É como diz o caipira, na sua santa sabedoria: “Quanto mais rezo, mais assombração me aparece”. A neurolingüística, que estuda as associações entre a linguagem e o funcionamento cerebral, arrisca uma boa explicação para isso. “Experimente dizer: ‘Eu não quero pensar num limão, nem nos seus gomos cheios de sumo, nem no seu gosto azedinho na minha boca’. Tudo o que você vai pensar é justamente num limão: sua boca vai encher de água como se estivesse diante dele. O cérebro não reconhece o ‘não’, as imagens são muito mais fortes do que a negação”, diz Anderson Andrade, especialista em Programação Neurolingüística (PNL). O mesmo acontece com relação às difi - culdades diárias e ao popular (e insuperável para muitos de nós, na verdade) medo da morte. Quanto mais se quer evitar pensar na “indesejada das gentes”, mais se pensa. “O pensamento gera hábitos, que promovem atitudes, que provocam ações, que determinam acontecimentos”, assevera o especialista. Pode-se dizer que a nossa realidade é resultado dos pensamentos dominantes da nossa mente, assim como nossas ações e reações dependem da nossa maneira de ver o mundo. Forma-se, então, uma cadeia interligada de pensamentoação- acontecimento. É por isso que, quanto mais rezamos, mais assombração aparece: se temos medo dela, ela está presente em nosso pensamento, gerando nossas ações e promovendo acontecimentos relacionados ao nosso temor. Por isso, se temos pavor das adversidades, se não as enfrentamos como algo normal e natural da vida, elas não vão sumir – pelo contrário. Igualzinho ao caso do limão. Para Anderson, o melhor a fazer é sempre imaginar que temos uma vida tranqüila e feliz. Assim, quando os obstáculos realmente aparecerem, podemos ser capazes de olhar para eles com um espírito sereno e encará-los como eventualidades que fazem parte da vida. E a dificuldade, que poderia ser vista como uma montanha íngreme, passa a ser uma colina ultrapassável.No balanco da van Se pararmos para pensar, é possível perceber que os aborrecimentos que enfrentamos na vida, em grande parte, são pequenos ou, no máximo, médios. Os grandes desafi os são excepcionais. Porém é justamente com as difi culdades do dia-a-dia que podemos treinar para quando os obstáculos nos parecem intransponíveis. Em primeiro lugar, temos de lidar exatamente com a nossa percepção do que é uma grande ou pequena dificuldade.A enfermeira Célia conta que, algumas vezes por semana, pegava uma van abarrotada de gente para voltar para casa. “Eu ficava tensa e com os nervos à flor da pele. Para mim, era um enorme desafio. Até que um dia resolvi mudar esse meu estado negativo e tomar consciência do que acontecia ao meu redor e dentro de mim mesma”, recorda Célia, que enfrenta o trânsito louco e o transporte público de São Paulo. “Tudo ficou muito nítido: as cores, as formas, os rostos. Minha irritação se transformou numa enorme compaixão por aquelas pessoas honestas, que se levantam de madrugada para trabalhar. Senti o meu coração do tamanho do Estádio do Morumbi. Minha percepção mudou completamente”, afirma Célia.Depois de algum tempo, ela testemunhou algo inesperado, quando viu sua sacola de plástico arrebentar dentro da van com tudo que tinha acabado de comprar no mercado. Imediatamente, uma moça ofereceu o casaco para que Célia pudesse recolher sua compra, um rapaz se esgueirou entre as poltronas à procura de latas que tinham rolado para debaixo dos bancos, outros passageiros se abaixaram para capturar um saco de batatas – tudo isso em meio aos trancos e sacolejos do veículo em movimento. Segundos antes de descer no seu ponto, ela conseguiu recompor a sacola com todos os produtos. “Descobri uma grande lição: não preciso enfrentar as difi culdades sozinha. Hoje tenho mais abertura para receber ajuda e confi ar nos outros.” E andar de van, que antes parecia uma adversidade insuperável, já não é um aborrecimento tão grande. “Ainda me incomoda, mas só na medida justa. Não sofro mais com isso”, diz ela.As lições que as adversidades ensinam dariam para escrever um livro. Mas esses exemplos já servem para deixar claro o quanto podemos aprender com elas.Tempestades Vamos reconhecer que, de vez em quando, o tempo fecha mesmo. A coisa fica feia. E aqui voltamos um pouquinho para a história de Érik, o alpinista cego que você conheceu no início da matéria. A fim de escrever um livro, ele se uniu ao consultor Paul G. Stoltz, um especialista em, acredite, adversidades. Erik queria contar as lições aprendidas diante dos obstáculos e transformar esse enfrentamento em técnicas para ajudar a todos. E Paul fez essa parte.Um de seus instrumentos de análise atende pela sigla Crad, iniciais das palavras controle, responsabilização, alcance e duração. Trocando em miúdos, ele sugere que, diante de uma dificuldade, a gente se faça a seguinte pergunta: Até que ponto tenho controle sobre essa situação? Em segundo lugar, aconselha a definir sua responsabilidade com relação a ela – quanto mais se sentir responsável, mais estará empenhado na sua solução. Depois, vem a grande pergunta: qual o alcance do que pretendo fazer e como posso administrar, ou solucionar, essa dificuldade? Em último lugar, é bom considerar a duração dessa adversidade. Assim, delimitamos o problema por certo período, justamente para que não se estenda demais.As difi culdades podem funcionar como verdadeiros trampolins. Tanto que vários executivos e funcionários de empresas as convocam para dar o famoso “salto de qualidade”, expressão que já é corrente. Paul gosta de citar um exemplo bem simples: o de uma secretária que sofria com os longos relatórios que tinha de digitar em pouco tempo, pois catava milho nas teclinhas, embora em grande velocidade. Para transpor isso, a secretária decidiu enfrentar outro obstáculo: fazer um curso de digitação em sua exígua hora de almoço. No começo, tudo parecia um sacrifício. Mas, saber que esse desafio seria apenas por pouco tempo, facilitou bastante seu empenho. Ao enfrentar voluntariamente uma dificuldade, e semear por conta própria essa tempestade passageira, a secretária conseguiu solucionar um enorme aborrecimento.Eu sou o máximo Nessa história, porém, tem uma casca de banana no meio do caminho. Sabe o Hércules, aquele fortão da mitologia grega que realizou 12 trabalhos dificílimos encomendados pelas divindades do Olimpo? Pois é, ele morreu, coitadinho, como você e eu vamos morrer algum dia.O heroísmo dele não garantiu sua imortalidade em vida. Considerado o herói dos heróis, Hércules só ganhou a imortalidade depois de morto. Isso tem um signifi cado profundo: a jornada do herói, aquele atendimento ao chamado que nos joga na vida com todos os seus desafios, é bonita e certamente faz parte da nossa existência. Mas não se deve fazer isso esperando reconhecimento, prêmios e aplausos.O herói egóico é insuportável. É como aquele chato que sempre banca o maioral e se arrisca só para mostrar como é corajoso e destemido. Em outras palavras, a gente não precisa ficar por aí arrumando sarna para se coçar. Com o espírito de sempre se colocar à prova por motivos egóicos, as adversidades, com certeza, serão mais freqüentes.Há também o risco de se comprazer no sofrimento. “Um homem é capaz de abandonar tudo na vida. Menos seu sofrimento”, já dizia o mestre armênio Georges Gurdjieff, que conhecia a alma humana como poucos. Parece bizarro ouvir que muitos de nós não largariam o sofrimento por nada nesse mundo. Mas há uma razão especial para isso – e não tem nada a ver com masoquismo. O ego gosta de se apoderar das experiências para se enaltecer.Somos capazes de fazer sacrifícios tremendos para nos sentir mais importantes e provocar a admiração de nossos semelhantes. O enfrentamento das adversidades, muitas vezes, serve apenas para alimentar nossa vaidade e nossa “imagem”. Você talvez nunca tenha pensado que poderia escorregar nessa casca de banana, não é? Então, tomados esses cuidados, podemos aproveitar as indicações de quem enfrenta as adversidades de uma maneira mais tranqüila, por um ideal ou por acreditar que elas simplesmente fazem parte da vida. Perder o medo e relaxar é um ótimo começo.LIVROS As Vantagens da Adversidade, Paul G. Stoltz e Erik Weiheimmayer, Martins Fontes
A grande conquista — VIDA SIMPLES